domingo, 12 de setembro de 2010

Descriminalizar o Aborto é apoiar a Pena de Morte

Folha de Londrina, 12-11-2008
 
ESPAÇO ABERTO
Aborto e o direito da mulher
Descriminalizar o aborto significa que apoiamos 
a pena de morte para um determinado grupo de 
indivíduos, aqueles na fase  inicial de desenvolvimento. 
Representa uma prerrogativa  para se propor a morte 
para qualquer outra categoria da sociedade

  Escrevo para sugerir uma profunda reflexão sobre um argumento freqüentemente utilizado pelos defensores do aborto: o direito da mulher sobre seu corpo. Toda a preocupação em relação aos direitos da mulher é muito justa e importante, e creio ser este direito algo inalienável. Certamente a mulher tem seu direito. Mas esse direito, por mais respeitável, termina onde começa o direito alheio, pois o direito à vida é algo inquestionável para todos os indivíduos, garantido pela Constituição e livre de quaisquer condições. 

  A constituição orgânica de um indivíduo está definida a partir da fecundação. Deste momento em diante, pelo princípio da continuidade do evento biológico, são estabelecidas todas as características de uma nova pessoa. A fase fetal é uma das etapas do ciclo biológico comum a todas as pessoas. Todos nós em atual atividade orgânica, já passamos da fase fetal, da fase infantil e assim por diante. A fase fetal é um contexto temporário do nosso atual corpo. Assim, compreende-se claramente: o feto não é uma parte do corpo da mulher, assim como nós adultos não somos parte do corpo de nossas mães. O feto apresenta sua própria gestão orgânica: fígado, rins, coração, pulmões, etc. Há apenas uma dependência temporária da constituição física da mãe. Há uma dependência qual a do recém-nascido, de um idoso, um enfermo, todos podem ser amplamente dependentes de outro indivíduo. E obviamente é inquestionável o direito à vida de um bebê e de um idoso. Portanto, o fato de depender de outro ser não gera direito de se eliminar a vida do dependente, seja ele um bebê, um enfermo, um feto. 

  Em termos evolutivos, o modelo de reprodução dos mamíferos passa, obrigatoriamente, pela gestação no organismo feminino. Gostemos ou não, a formação de um indivíduo dá-se através do corpo da mulher. A mulher tem o direito de prevenir a presença de um novo indivíduo em seu corpo, pelos métodos contraceptivos. Mas, em havendo a presença de outro organismo, o corpo da mulher deve ser tão respeitado quanto o corpo desse indivíduo em formação. 

  Descriminalizar o aborto significa dizer que apoiamos a pena de morte para um determinado grupo de indivíduos, aqueles na fase inicial de desenvolvimento. Representa uma prerrogativa para se propor a morte para qualquer outra categoria da sociedade, pois o direito à vida dos indivíduos já existe desde a fase fetal. Há um agravante: na fase fetal, o indivíduo está privado de se expressar livremente. Portanto, propor sua eliminação se torna uma situação totalmente contrária aos princípios da ética de qualquer sociedade realmente evoluída. 

  Além disso, é inquestionável o contexto de se relativizar o evento intitulado ''vida'', quando autorizamos a ''morte'', em quaisquer condições. Para tratar do tema com a devida atenção, aproveito o ensejo e pergunto: O que é a vida? O que é a morte? Qual o sentido da existência humana? Qual a razão do sofrimento? Como explicar a extensa diversidade entre os indivíduos? Temos refletido suficientemente sobre essas questões? Podemos respondê-las com segurança e serenidade? 

  Nos países onde há essa ''relativização'' da vida, os problemas deslocaram-se para um âmbito muito mais crítico e complexo. No Canadá, o aborto é liberado. Esse contexto de banalização da vida torna a questão do suicídio um problema de grandes proporções, a ponto das escolas primárias desenvolverem amplos programas de valorização da vida. Mas como pregar um discurso, se a prática é outra? 

  Na Holanda, além do aborto, existe a ''eutanásia neonatal'', ou seja, os pais podem optar pela eliminação de seus filhos após o nascimento, quando por alguma razão estão descontentes com o organismo dos mesmos. Refletindo sobre tais questões, recordo-me de Madre Teresa de Calcutá: ''O aborto provocado é a maior barbárie contra a paz do mundo, porque se uma mãe é capaz de matar seu próprio filho, o que pode evitar que nos matemos uns aos outros?''.
 

MARCELO MARCONDES SENEDA é professor da Universidade Estadual de Londrina com doutorado em Biotecnologia da Reprodução e pós-doutorado em Epigenética de Gametas pela McGill University

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