segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

RIQUEZA QUE VEM DA TERRA


RIQUEZA QUE VEM DA TERRA

PRODUTORES APRENDERAM A CORRIGIR O SOLO E A FAZER DA TERRA ARENOSA E FRACA UM OÁSIS PARA A PRODUÇÃO DE SOJA, ALGODÃO E MILHO

A região Oeste da Bahia, formada por 24 municípios – entre eles, São Desidério, Barreiras e Luís Eduardo Magalhães –, mostra-se hoje como um grande oásis em meio a uma terra antes desacreditada e pouco fértil. Produtores do Sul do país chegaram ao local no início da década de 1980 para desbravar novas áreas. Lá encontraram um solo arenoso e fraco. "O produtor investiu e continua aplicando recursos na correção do perfil de solo para torná-lo produtivo. Nós tivemos que nos adaptar com o que encontramos", afirma Wilson Horita, um dos primeiros agricultores a aportar nas novas terras, onde adquiriu, nos anos 1980, 1.200 hectares e atualmente conta com uma área em torno de 85 mil hectares – 45 mil de soja, 10 mil de milho e 30 mil de algodão.

SEGUNDO MAIOR MUNICÍPIO DO ESTADO, COM QUASE 15 MIL QUILÔMETROS QUADRADOS, SÃO DESIDÉRIO ABRIGA BOA PARTE DAS PROPRIEDADES RURAIS E DA PRODUÇÃO DE ALGODÃO, MILHO E SOJA DA REGIÃO. Segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cidade oscilou nos últimos cinco anos entre os três primeiros lugares do ranking de maior PIB agrícola do país. No último levantamento (2009), a geração de renda vinda do campo foi de R$ 662,5 milhões. No entanto, a maior parte do movimento do comércio e as residências dos produtores ficam em Barreiras, distante 27 quilômetros de São Desidério, e em Luís Eduardo Magalhães, a cerca de 100 quilômetros.

"Quando chegamos, não tinha nada, nenhuma infraestrutura. Era um posto de gasolina e só", afirma Amauri Stracci, membro de uma das primeiras famílias a comprar os lotes na região e que planta hoje soja, milho e algodão. "Eu sempre digo: para dar certo é preciso ter um iluminado na família. E esse papel foi muito bem representado pelo meu pai", diz. Ele conta que a família deixou São Pedro do Ivaí, no Norte do Paraná, para buscar novas terras. "Aqui encontramos tudo que um agricultor poderia pedir: grande extensão de terra, topografia 100% plana e com potencial agricultável, chovia bem e os lotes eram baratos", afirma.

A iniciativa dos produtores fez surgir um modelo único de preparo do solo no Brasil. Eles aprenderam que maiores doses de calcário juntamente com a aplicação de gesso agrícola melhoram a fertilidade. "Isso demanda mais investimento por hectare, porém garante alta produtividade", explica João Carlos Jacobsen Rodrigues, produtor desde 1982 na região, que hoje planta 17,4 mil hectares de milho, soja, algodão, feijão e cria algumas cabeças de gado como um "ensaio" para uma futura integração lavoura-pecuária, como ele mesmo define.

Segundo Stracci, os produtores do Oeste Baiano fazem não apenas a adubação visando a cultura, mas todo o sistema de rotação. Ou seja, o solo é preparado para plantio do algodão, mas o agricultor faz isso já pensando na soja e no milho. "Assim, as duas culturas vêm de carona no algodão e apresentam resultados excelentes. Há produtores que conseguem alcançar de 75 a 85 sacas de soja por hectare e 210 sacas de milho por hectare", diz.

De acordo com Jacobsen, a boa fertilidade do solo alcançada com os tratos para plantio do algodão fez com que os produtores chegassem a uma colheita de até 13,5 mil quilos de milho por hectare. "O algodão, além de dar uma remuneração melhor para o produtor, demanda muito mais insumos químicos como fertilizantes, máquinas e equipamentos, que antes não havia na região", acrescenta.

Além do solo corrigido, há vantagens naturais que auxiliam no bom desempenho da região Oeste. Em Roda Velha, as áreas são planas e com um clima muito bem definido. As chuvas começam em outubro e vão até março, com um veranico entre janeiro e fevereiro. Assim, os produtores entenderam que é preciso plantar na hora certa. Fazer tudo muito bem planejado para não ter perdas. Para Stracci, o produtor não conseguiu mudar o clima, mas se adaptou muito bem a ele.

200 QUILÔMETROS PARA COMPRAR SAL
Engenheiros – mecânico e de produção, respectivamente –, os irmãos Wilson e Walter Horita chegaram ao Oeste Baiano no início dos anos 1980. "O que pode ser mais desafiador para dois jovens com pouco mais de 20 anos? Nós tínhamos vontade de crescer e de que tudo desse certo. Tivemos muitas dificuldades, pois para comprar um pacote de sal era preciso rodar 200 quilômetros até Barreiras, mas vencemos", conta Wilson Horita. A primeira propriedade, com 1,2 mil hectares, foi adquirida em Roda Velha, distrito de São Desidério, onde se concentra a maior parte das fazendas da empresa. O grupo conta também com unidades produtivas em Correntina, Luís Eduardo Magalhães e Formosa de Rio Preto.

Os investimentos em máquinas e equipamentos são constantes nas propriedades. "PROCURAMOS EMPREGAR AQUI TODA TECNOLOGIA RECÉM-LANÇADA. NÃO HÁ MAIS DIFERENÇA ENTRE O QUE É NOVIDADE NOS ESTADOS UNIDOS E O QUE É ENCONTRADO AQUI", AFIRMA HORITA. Segundo ele, o grupo tem um plano de manutenção e de renovação constante de tudo o que é usado nas propriedades. "A nossa busca é por maquinário grande, de alta tecnologia e cada vez mais eficiente. Não temos como fugir disso. É o futuro", diz.

Para os produtores, é o mercado quem determina a expansão ou não das lavouras. Acredita-se que a rotação entre as três culturas – algodão, soja e milho – permanecerá na região, mas já há interesse na integração lavoura-pecuária. "O produtor ainda estuda as possibilidades, as vantagens e desvantagens de entrar em uma área que ainda não domina", diz Jacobsen. Para Horita, o grupo começa a pensar na questão, porém a pecuária não é a aptidão da empresa. "Vamos colher perto de 10 mil hectares de milho, portanto teremos muita braquiária", diz. No entanto, esse material será aproveitado como matéria orgânica. "Assim, é possível criar mais vida para o solo. Nosso objetivo com a braquiária é aumentar a palhada", acrescenta.

Já o grupo Stracci começa a se preparar para a integração lavoura-pecuária e dá os primeiros passos para o aprendizado do manejo com a braquiária. "Essa é uma tendência para os próximos anos", afirma Amauri. "A aptidão do agricultor do Oeste é a produção de grãos e algodão. Já temos total domínio sobre essas culturas, por isso, acredito que a diversificação venha com a suinocultura e/ou a pecuária", diz.

OURO BRANCO DO CERRADO
Primeira em qualidade do algodão no Brasil e segunda maior produtora nacional (depois do Centro-Oeste), a região Oeste da Bahia se destaca não só no mercado interno como em vários países importadores. Um cenário conquistado a duras penas pelos produtores. "No início, entre 1994 e 1995, o algodão surgiu como uma alternativa para a rotação de culturas, que, na época, se concentrava na soja e no milho. Pagamos muito caro para aprender, mas deu certo", afirma João Carlos Jacobsen. Os números comprovam que os produtores estão no caminho certo. O setor movimentou, em 2010, R$ 920,4 milhões – conforme levantamento da Superintendência de Estudos Sociais e Econômicos do governo da Bahia.

Dados da Aiba (Associação de Produtores e Irrigantes da Bahia) mostram que a primeira safra em 1995/1996 contou com uma área plantada de 2,4 mil hectares e, na safra 2011/2012, a área passou para 385,5 mil hectares. Segundo Isabel da Cunha, presidente da Abapa (Associação Baiana dos Produtores de Algodão), o crescimento – tanto em área como em produtividade – teve dois importantes fatores. O primeiro foi a criação do Proalba, programa de incentivo para produção de algodão na Bahia, e o segundo foi a demanda do mercado pela commodity, que resultaram no ingresso de novos produtores na cultura. "Nós éramos 180 produtores e hoje somos 257", diz Isabel.

O grande salto na produção de algodão foi com o incentivo via política pública, justamente com o Proalba. Trata-se de um plano que concede ao produtor até 50% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) devido sobre a comercialização do produto no mercado interno, desde que atenda aos critérios de qualidade preestabelecidos. Desse percentual, 10% são destinados ao Fundeagro (Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão), que investe em pesquisa, defesa sanitária e marketing. "Há um trabalho de conscientização e de controle intensivo em relação à infestação do bicudo nas lavouras", conta Jacobsen.

A REGIÃO OESTE ABRIGA OS MUNICÍPIOS DE FORMOSA DO RIO PRETO, SÃO DESIDÉRIO, LUÍS EDUARDO MAGALHÃES, BARREIRAS, CORRENTINA, RIACHÃO DAS NEVES E JABORANDI, QUE CONCENTRAM OS GRANDES PRODUTORES DE ALGODÃO. E são muitos os desafios, segundo Isabel da Cunha. Um dos mais importantes é a criação de um porto seco na região para agilizar a documentação de exportação do produto antes de chegar aos portos. Segundo ela, entre 50% e 60% do volume é voltado para a venda externa e cerca de 40% ficam para a comercialização do mercado interno.

Outro gargalo para escoar a produção é o custo adicional para levar mais de 95% do produto exportado para o porto de Santos (SP). "A solução seria viabilizar o porto de Salvador, que está a 900 quilômetros dessa região", afirma Isabel da Cunha. De Barreiras a Santos, são percorridos quase 2 mil quilômetros.

INVESTIMENTO NO FUTURO
Além da atual vocação agrícola, o Oeste da Bahia oferece outros atrativos para o crescimento da região. Segundo o prefeito de São Desidério, Demir Barbosa, começam as apostas no potencial turístico da cidade. "Nós temos pontos turísticos de grande beleza natural como grutas e lagos, que atraem muitos visitantes", afirma. Em 2011, foram cerca de 8 mil turistas no município. "A previsão para este ano é encerrar com 15 mil", acrescenta. Conforme José Marques de Castro, secretário de Agricultura de São Desidério, além do potencial turístico, o município ainda tem muito a crescer. "Há vários projetos em andamento, como o estudo de viabilidade da cultura de cana-de-açúcar", afirma. A CIDADE CONTA COM 530 MIL HECTARES JÁ EM ESTÁGIO DE PRODUÇÃO E CERCA DE 500 MIL HECTARES QUE AINDA PODEM SER ABERTOS PARA NOVAS CULTURAS E PROJETOS. No entanto, há uma tendência em aplicar novas técnicas que favoreçam o aumento dos níveis de produtividade das culturas da soja, milho e algodão, em vez de abrir novas áreas. "A região é mesmo abençoada, pois, além de terras planas, há uma rica bacia hidrográfica para abastecer o município", observa.

UMA HISTÓRIA DE SANTO
A origem do município com nome de santo ocorreu em 1895, quando São Desidério se tornou distrito de Barreiras. Já a emancipação política da cidade aconteceu somente em fevereiro de 1962.

Segundo Florentino Augusto de Souza Filho, autor do livro "São Desidério de A a Z – Sua história, minhas lembranças", o "São" surgiu de uma de duas supostas razões: da crença dos antigos de que os padres, ao morrerem, se tornavam santos ou da predileção dos proprietários da fazenda que originou o município pelo santo francês São Desidério.

Autor e também proprietário de uma tradicional farmácia, Florentino diz que o crescimento da região se deu entre 1976 e 1978, quando foi construída a estrada que liga Brasília BAIANOa Fortaleza. A rodovia passava também pelos municípios de São Desidério, Barreiras, Riachão das Neves e Formosa de Rio Preto, que tinham terras áridas usadas apenas para a subsistência.

"Nos anos 1980, com a chegada de agricultores do Sul do país, houve uma mudança nessa característica. Os baianos se assustaram com o "pique" dos sulistas, que trouxeram para cá a experiência de corrigir o solo", conta.