sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Triste Coincidência

Diario de Pernambuco - Economia


06/Fevereiro/2009 | 11h10


Miriam Leitão 


Pior para nós que na mesma semana em que o presidente Barack Obama perdeu dois assessores, porque eles erraram na declaração do imposto de renda, a Câmara tenha escolhido um corregedor que acha que políticos não devem julgar quebra de decoro porque "têm o vício insanável" da amizade.

Pior para nós os bate-bocas, troca-trocas e negociatas dos últimos dias no Congresso.

Barack Obama já perdeu quatro do time escalado e viu seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, em apuros, explicando por que errou no imposto de renda. Um jovem brasileiro me perguntou: "mas isso é escândalo?". A pergunta é reveladora.

Está errado não pagar imposto, e isso é tão sério que foi o que levou Al Capone à cadeia.

Mas, para muitos brasileiros, tem sido difícil definir a partir de que ponto um escândalo é escandaloso, já que o patamar das nossas irregularidades tem ficado cada vez mais alto.

Os atingidos do time do presidente Obama deram explicações e pagaram os impostos atrasados.

Mas só um deles se salvou. Nancy Killefer não tinha recolhido impostos trabalhistas de ex-empregados.

Tim Geithner contratou um imigrante em situação irregular e, quando era do FMI, entendeu que por trabalhar em órgão internacional não devia certos impostos.

Tom Daschle perdeu o cargo fundamental que teria na equipe de Obama porque usou um carro de uma empresa à qual prestava consultoria e não pagou impostos sobre esseganho extra.

Todas as descobertas e cobranças foram feitas pelo Congresso americano, de maioria governista. Bill Richardson disse que provará que não fechou contrato com uma empresa que o financiou, mas enquanto não prova, desistiu da Secretaria de Comércio.

O que diriam alguns dos nossos parlamentares desses deslizes? Provavelmente nem considerariam que isso era erro.

Corregedor é aquele que corrige, é o que zela pelo decoro, mas o deputado Edmar Moreira não se preocuparia com o tipo de falta que derrubou Daschle. O que é não declarar um carro cedido pela empresa quando se esquece de declarar um castelo?

Sua tese, de que o Congresso não pode julgar colegas porque eles são todos amigos, faria até sentido, afinal foram tantos os casos de absolvição indevida.

Mas, para isso, ele teria que, em seguida, pedir a extinção do cargo de corregedor que fez tanto esforço para ocupar.

Está errado não pagar imposto, e isso é tão sério que foi o que levou Al Capone à cadeia.

Deslizes tributários também não devem produzir maiores preocupações no senador Renan Calheiros, que jamais explicou como foi mesmo que envelopes de R$ 12.000 por mês eram entregues à mãe de sua filha na sede de uma empreiteira; ou ao senador Eduardo Azeredo, que teve contas de campanha pagas por empresas de publicidade num esquema parecido com o do mensalão.

Mensalão este que, quando foi descoberto, mostrou ser uma extensa rede de tráfico de influências e de pagamentos de gastos de campanha feitos por fornecedores do governo.

O tipo de deslize que derrubou Tom Daschle, que seria peça chave no governo Barack Obama na reforma do programa de assistência médica, não faria derrapar o Fiat Elba do ex-presidente Fernando Collor.

Afinal, segundo seu então e desafortunado tesoureiro, o objetivo do collorismo era arrecadar R$ 1 bilhão.

O deprimente dos escândalos de Obama é a dificuldade de o Brasil se escandalizar com eles.

Aqui, a anestesia com os desmandos faz parecer normais certas frases, comportamentos e fatos extravagantes e desviantes.

Os Estados Unidos vivem ainda o espetáculo estimulante da renovação do poder, enquanto no Brasil tantos perdemos fios tingidos de cabelo para se manter agarrados às mesmas cadeiras tantas vezes ocupadas por eles mesmos no passado.

A idade em si não torna alguém moderno ou antiquado. Há jovens ultrapassados e velhos atualizados. Nos virtuosos, a idade confirma as virtudes. Nos outros, ela convalida defeitos, e um dos piores é ser obstáculo à renovação.

Certos erros da juventude o tempo apaga, mas servir lealmente a uma ditadura não é um desses.

Quem cometeu este erro indesculpável deveria, ao menos, poupar os interlocutores e não falar que será a "consolidação da democracia", como fez o presidente do Senado, José Sarney.

Não deve também prometer corte de gastos e austeridade quem tem o desejo manifesto de tirar, do contribuinte, dinheiro para sandices como cobrir os atos dos deputados em seus estados de origem na TV Câmara, como fez o deputado Michel Temer.

Na melhor das hipóteses, é perda de dinheiro. Mas pode ser pior.

Em todo parlamento há negociações e disputas para a ocupação dos cargos-chave e comissões decisivas.

Nada normal é o balcão de negócios que virou essa distribuição no Congresso brasileiro esses dias, o troca-troca, os bate-bocas, os acordos secretos, as traições públicas.

Infeliz é a coincidência. Lá, as exigências éticas aumentam e quem errou é punido.

Aqui, todo erro é aceito e, com o tempo, esquecido.

O Brasil está ficando menor - e não falo do PIB - e o Congresso tem escolhido ficar desimportante.